Moratória à mineração em mar profundo será finalmente uma realidade em Portugal
14 Março 2025
Portugal tem agora finalmente uma medida abrangente de proteção marinha de que se pode orgulhar, baseada no princípio da precaução, e em coerência com a posição já assumida para as águas internacionais, posição esta que agora também se vê refletida em lei.
As Organizações Não Governamentais de Ambiente WWF Portugal, Sciaena e Sustainable Ocean Alliance (SOA) congratulam a Assembleia da República pela aprovação hoje em plenário do texto final de uma proposta que estabelece uma moratória sobre a mineração em mar profundo em águas nacionais até 2050. O texto foi apresentado pela Comissão de Ambiente e Energia e consolida quatro Projetos de Lei apresentados pelo PAN, PSD, Livre e PS, que foram discutidos e aprovados na generalidade no passado mês de janeiro.
Esta aprovação significa que esta proposta passará finalmente a lei e que Portugal se torna assim o primeiro país da Europa a ter uma moratória formalmente aprovada à mineração em mar profundo, apesar da instabilidade política dos últimos anos. Um Projeto de Lei do PAN para estabelecer uma moratória à mineração em mar profundo em águas nacionais já tinha sido aprovado na generalidade mas a discussão na especialidade não chegou a terminar devido à queda do Governo no final de 2023. O mesmo poderia ter acontecido com as novas propostas que culminaram no texto hoje aprovado, dada a nova crise política das últimas semanas, que resultou na queda do Governo. Priorizando a proteção do oceano mesmo em contexto de crise política, o Parlamento fez hoje história ao garantir que o texto final da moratória à mineração em mar profundo em águas nacionais é aprovado antes do fim dos trabalhos parlamentares previsto para terça-feira, sendo agora esperado que a lei seja promulgada pelo Presidente da República.
“Mesmo em tempos de crise política, o Parlamento demonstrou que a proteção do oceano é uma responsabilidade inadiável. Os partidos que votaram a favor da moratória e que garantiram que esta votação acontecesse em contra-relógio antes da dissolução efetiva da Assembleia da República deixam-nos uma mensagem clara e que deve ficar bem registada: esta moratória não é apenas uma medida ambiental, mas uma decisão estratégica para a preservação dos recursos marinhos para as futuras gerações”, destaca Bianca Mattos, Coordenadora de Políticas da WWF Portugal.
“A ciência e a sociedade civil desempenharam um papel fundamental nesta conquista, assegurando que a proteção dos ecossistemas marinhos continue no centro das decisões políticas. Independentemente do cenário político, há compromissos que devem ser respeitados e tendo em conta o contexto global nesta matéria, Portugal envia agora um forte sinal à comunidade internacional, de respeito pelo princípio da precaução”, afirma Catarina Abril, Técnica de Pescas e Clima da Sciaena.
“Apesar do contexto de instabilidade política, Portugal reforça hoje o seu papel de liderança global na defesa dos oceanos, e esperamos que este exemplo inspire e motive outros Estados a seguir o mesmo caminho. Aguardamos agora a promulgação do diploma por parte do Sr. Presidente da República, com a celeridade necessária para garantir que esta medida histórica se traduza rapidamente em proteção efetiva para o mar profundo”, apela Eugénia Barroca, representante para a Europa e Lusofonia da SOA.
A mineração em mar profundo destina-se a extrair minérios como cobre, cobalto, níquel ou manganês do fundo do mar, com maquinaria pesada a operar em condições muito adversas e arriscadas (elevada profundidade e sujeitas a grande pressão), destruindo localmente ecossistemas no mar profundo e perturbando outros a largas centenas de quilómetros em redor. Apesar do pouco conhecimento científico sobre estes habitats de mar profundo e os potenciais impactos desta atividade, sabe-se que se a indústria avançar, a intensidade e os métodos de mineração poderão destruir habitats completos, extinguir espécies e comprometer os benefícios dos ecossistemas para a Humanidade, prejudicando também as populações locais, principalmente as comunidades costeiras, sob o falso pretexto da transição energética.
Apesar dos alertas crescentes da sociedade civil e dos cientistas sobre os impactos económicos e ambientais desta prática, a Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos (ISA) está a avançar na criação de um ‘Código Mineiro’ para regular a extração de minerais no fundo do oceano. Em julho de 2023, representantes do Governo anunciaram na reunião do Conselho da ISA (Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos) que Portugal defende uma “pausa precaucionária” no avanço desta atividade em águas internacionais, dada a ausência de regulamentação e devido ao conhecimento científico insuficiente. No entanto, os sucessivos Governos não tinham aplicado ainda o mesmo princípio precaucionário às águas sob jurisdição nacional declarando numa moratória em toda a área marítima nacional, o que protegeria uma grande percentagem dos mares europeus – falha que a nova lei virá colmatar.
Portugal tem agora finalmente uma medida abrangente de proteção marinha de que se pode orgulhar, baseada no princípio da precaução, e em coerência com a posição já assumida para as águas internacionais, posição esta que agora também se vê refletida em lei. Esta medida precisa de ser complementada pelo menos com uma rede de áreas marinhas protegidas ecologicamente coerente, verdadeiramente nacional, e com gestão e monitorização efetiva, de forma a poder cumprir adequadamente a meta de proteção de 30% do seu mar e de 10% de proteção estrita do mesmo até 2030, e com a inclusão adequada dos ecossistemas marinhos e costeiros no Plano Nacional de Restauro da Natureza.